Páginas

domingo, 24 de outubro de 2010

4, Confusa e Perdida

4
Confusa e Perdida

O
drik apagou seu lampião, colocou-o numa mesinha de madeira escura no canto da pequena sala de entrada e então tirou seu sobretudo e pendurou-o num dos cabides da entrada.
         As paredes daquela pequena sala eram brancas, a porta de entrada era de vidro, a outra porta, a qual dava a acesso ao restante da casa, era apenas um batente marrom escuro.
         - Pronto – Odrik disse com sua voz grave, olhando através do batente, parecendo procurar alguém. – Está em casa, Yohanna.
         Yoh suspirou cansada.
         Ela sentia-se exausta. Moída por dentro. Parecia que tinha ficado de pé um mês inteiro. Ela queria jogar-se numa cama e apenas dormir dois anos.
         - Venha, acho que é melhor você tomar um banho quente e então descansar. Não se preocupe, Londrina não esta aqui hoje. Ela vai chegar tarde – refletiu Odrik.
         - O que aconteceu? – Yoh ergueu as sobrancelhas.
         - Nada – Odrik deu de ombros. – Ela apenas foi até o palácio ver o rei.
         Os olhos de Yoh ficaram ligeiramente mais abertos.
         Londrina – sua tutora – possuía toda essa influência ao ponto de ir até o palácio falar com o rei no meio da noite?
         Ela só conseguia pensar numa coisa: Uau.
         Mas Yohanna não tinha energia para expressar seus sentimentos naquela hora. Ela apenas assentiu em concordância.
         Ela precisava mesmo tomar um banho quente e descansar eternamente.
         A sala de estar de Londrina era ampla e convidativa, havia sofás vitorianos com estofado cor de creme, detalhes em dourado envelhecido. O tapete no centro do cômodo era felpudo, na mesma cor que as almofadas no sofá. A lareira jazia apagada na parede mais afastada, apagada até o fim do verão, que estava próximo. A chuva torrencial deixava isso bastante claro.
         A escada que ficava naquela sala possuía uma curva para economizar espaço, o carpete era creme, e a madeira dos degraus, assim como o assoalho, era escura.
         No andar de cima, havia um corredor com paredes brancas, o quarto de Yohanna era a última porta. Odrik a deixou bem na frente e entrou no seu quarto, que era defronte para o dela. Havia mais três portas naquele corredor. Yoh suspeitou que fossem mais quartos.
         Mas do que ela sabia?
         Dando de ombros, ela entrou em seu quarto.
         Seu quarto.
         O termo coçou em sua língua. Em Yofer ela dividia um quarto com sua pequena irmã, Fanniz. Agora ela tinha um quarto daquele tamanho apenas para ela.
         Parecia tão egoísta usar todo aquele espaço para uma pessoa apenas. Mas então Yoh pensou novamente. Ela estava em Arkadi, não Yofer. Arkadi era uma cidade grande, um grande centro, a cidade do rei, onde residia o palácio e toda a sua realeza.
          Quer dizer, a realeza que gostava de Arkadi, já que muitos duques preferiam outras cidades maiores. Pelo menos foi isso que Yohanna escutou durante seu caminho até Arkadi.
         O quarto de Yohanna era claramente feminino. Era decorada com papel de parede roxo, quase no mesmo tom de suas mechas e de seus olhos. A roupa de cama era da mesma tonalidade. As cortinas eram de um tom mais escuro.
Havia uma escrivaninha perto da cama de casal, sob a janela do quarto, com um lampião sobre ela. Um armário relativamente grande para guardar roupas. Mas então Yoh não ocuparia nem um terço de todas aquelas prateleiras e cabides para guardar suas roupas.
Ela sequer tinha um vestido de baile.
Mas então ela nunca teve motivos para ter um. Ela nunca fora num baile antes e não via porque iria a um agora.
Balançando a cabeça ela abriu a porta que dava para seu banheiro. Uma banheira de cerâmica embutida à parede com uma ducha em cima. O boxe era de vidro. Uma pia e o vaso sanitário. Ambos de cerâmica.
As paredes eram de ladrilhos brancos, assim como o chão.
Ela ligou as torneiras e esperou a banheira encher.
Água quente. Ela não tinha água quente desse jeito em Yofer. Yohanna sempre tinha de esquentar sua água no fogo se quisesse um banho quente. Ali não. Na cidade real, a água quente saia dos canos.
Em Yofer eles não tinham água encanada. Nada de canos. Um poço para a comunidade inteira.
Tudo era tão diferente.
Será que Odrik já tinha se acostumado a isso? A todo esse... luxo? Yohanna tinha suas duvidas de que ela iria se acostumar a isso. Era bonito, sim, mas não era seu lar. Não era sua casa.
Era a casa de sua tutora, Londrina, não dela.
Yohanna tirou suas roupas molhadas e as largou dentro da pia para não molhar o chão seco. Então ela largou sua mochila também molhada num canto do banheiro pequeno.
Ela entrou na banheira, a água quente fazendo seu corpo formigar em satisfação. Ela sentou-se e então fechou seus olhos.
Tudo tão diferente.
Tudo tão novo.
Ela estava com medo.
Medo do que estava por vir.


Na manhã seguinte, Yohanna acordou com dores nas suas pernas. Suas panturrilhas reclamavam a distância percorrida.
         Ela vestiu uma calça de linho preta e uma blusa de linho branca que haviam secado durante a noite. Por cima ela colocou um colete de couro preto. Ela gostava de coletes. Eram bonitos. Calçou suas botas e então ela desceu, seu estomago reclamando comida que não fossem vegetais ou frutas que ela comera durante duas semanas inteiras.
         Ela precisava de algo que realmente sustentasse.
         - Bom dia, minha senhorita – uma mulher com cabelos grisalhos com suaves mechas pretas, presos num firme coque no topo de sua cabeça disse sem se virar da bancada onde estava cozinhando algo realmente cheiroso.
         A mulher vestia um vestido bordô, com um avental branco por cima de toda sua roupa.
         - Bom dia – Yohanna disse sem saber ao certo se a mulher se referia a ela quando disse “minha senhorita”.
         A mulher virou-se para revelar um rosto com rugas na testa, olhos pretos no mesmo tom suave de suas mechas, um rosto vivido, que carregava a aura de quem já vivera muitos anos cozinhando naquela cozinha.
         - A senhorita demorou a chegar – disse a mulher com um tímido sorriso. – Seu irmão chegou há três noites montado em um cavalo.
         - Ah – Yoh disse. – Por isso então. Eu não tinha cavalo algum.
         A mulher pareceu espantar-se.
         - Você não sabe montar, senhorita? – ela pareceu incrédula.
         - Não, eu sei montar – Yoh sorriu meio sem graça. – Tive aulas com um mentor, aulas de montaria e combate, desde que tinha nove anos, mas minha família não tinha um cavalo para eu viajar.
         A expressão da senhora suavizou e então ela sorriu.
         - Mas a senhorita chegou, enfim – disse. – Vamos servir-lhe uma omelete enquanto senhora Londrina não desce. Aliás, eu me chamo Héstia.
         Yohanna sorriu aliviada.
         - Obrigado, Héstia.
         Comida. Comida de verdade.
         Aquela omelete parecia a coisa mais gostosa do universo quando Yohanna levou uma garfada a boca e esta chegou ao seu estomago.
         Héstia serviu um copo de suco de laranja fresco para Yoh e ela não podia desejar coisas melhor do que aquela.
         Quando terminou, Yohanna ficou feliz de ficar sentada ali, conversando com Héstia, enquanto Londrina e nem Odrik desciam.
         - Oh, Héstia – uma voz feminina muito jovem para ser de uma tutora, exclamou deliciada ao entrar na cozinha. – Sua omelete? Eu adoro sua omelete.
         - Senhorita Pandora – Héstia sorriu e serviu mais um prato com omelete e mais um copo com suco de laranja.
         Yohanna virou-se para ver quem era a garota que adentrara na cozinha. Pandora tinha cabelos longos e escuros, profundamente lisos, com mechas vivamente laranjas. Seus olhos eram laranja também. Seus lábios eram finos, mas eram bastante rosados.
         Ela usava uma calça jeans azul claro e uma blusa de malha branca, simples, com sapatilhas brancas.
         - Oh – Pandora disse quando avistou Yohanna, abrindo-lhe um grande sorriso. – Você deve ser Yohanna. Muito prazer. Seus olhos são tão legais!
         Pandora lhe estendeu a mão direita e Yoh levantou-se para apertá-la, com um sorriso pequeno e tímido nos lábios.
         Ninguém nunca lhe dissera que seus olhos eram legais. Quer dizer, todos lhe conheciam em Yofer, estavam acostumados ao seu violeta desde que ela era um bebê. Mas então na noite anterior, Dem lhe disse que ele nunca tinha visto ninguém com olhos violeta antes. e ele vivia numa cidade grande.
         - Vejo que já conheceu a pequena Yohanna – disse uma mulher alta, esbelta, rosto triangular, lábios finos como os de Pandora, feições parecidas com as dela, cabelo escuro e liso como o de Pandora, com mechas laranjas e olhos laranjas numa tonalidade remotamente mais suave que a de Pandora.
         Yoh não precisou pensar muito para associar que aquela mulher era Londrina e Pandora era sua filha.
         - Sim, mãe – Pandora disse e acomodou-se em sua cadeira junto à mesa. – Agora preciso comer, se ninguém se importa.
         Londrina sorriu ternamente e rolou os olhos.
         - Sou Londrina Kaylt, sua tutora, mas disso você já deve saber – disse a mulher com olhos laranja.
         Yohanna sorriu novamente e agradeceu internamente pela mãe não demonstrar o mesmo interesse que a filha pelos olhos violeta dela.
         - Hum, sou Yohanna Bourbon – ela disse tolamente. – Mas você já deve saber, também.
         Londrina acenou e sorriu mais uma vez antes de ir até a mesa e sentar-se junto da filha. Nisso tudo, Odrik resolveu aparecer com seus cabelos loiros e azuis despenteados.
         Quando ele passou por Yohanna na cozinha, ele pareceu sentir a necessidade louca de bagunçar o cabelo de sua irmã também. Yoh fez uma careta e então suspirou, rolando os olhos.
         - Querida – Londrina disse e Yoh surpreendeu-se ao descobrir que Londrina estava se referindo a ela e não à Pandora.
         - Sim? – Yohanna respondeu com uma pergunta, atordoada demais com aquele afeto para dizer algo mais coerente.
         - Você poderia vir comigo até o escritório? – Londrina sorriu um pouco. – Preciso falar com você.
         Yohanna assentiu meio confusa, porém, ela não devia ter se surpreendido tanto com aquele convite. Era de se esperar que Londrina quisesse falar com ela.
         Embora o quê, ela não tinha certeza.
         - Claro – Yoh disse.
         Londrina levantou-se da mesa e Pandora a encarou perplexa, assim como Héstia fez.
         - A senhora não vai tomar seu café, senhora Londrina? – Héstia perguntou tentando controlar sua perplexidade.
         Hum, aparentemente Londrina não deixava suas refeições intocadas.
         - Comerei mais tarde, Héstia – disse ela calmamente, como se não notasse a nuvem de perplexidade ao seu redor. Apenas Odrik parecia realmente alheio a tal nuvem, mas ele estava devorando sua omelete, então ele não contava. Yohanna tinha uma teoria de que o irmão entrava em algum tipo de transe quando estava ingerindo algum tipo de alimento.
         Ao que tudo indicava, ela estava certa o tempo todo sobre isso.
         Londrina conduziu Yohanna até uma porta que ela não havia notado antes, na sala de estar, dando vista a uma pequena sala com uma escrivaninha no centro e prateleiras cheias de livros nas paredes. Londrina fechou a porta quando entrou.
         Ela sentou-se na cadeira de couro atrás da escrivaninha e fez sinal para Yoh sentar-se a sua frente. Yoh o fez.
         - Yohanna Bourbon – Londrina disse.
         Yoh achou que ela estava apenas tentando achar um meio para começar a conversa, assim, permaneceu em silêncio até que Londrina começasse a falar novamente.
         - Você sabe por que seus pais lhe mandaram para cá, Yohanna?
         Londrina estreitou os olhos com cautela do outro lado da mesa. Yoh negou com a cabeça.
         - nada exceto que tudo tem a ver com uma promessa que eles fizeram – disse Yoh. – Eu também não sei por que Odrik veio, já que eles não me disseram sobre isso.
         A mulher assentiu.
         - Quando você deixou Yofer, mandei uma mensagem a Anabette e pedi para que mandassem Odrik também, apenas para você não sentir-se tão só.
         Yohanna assentiu com a cabeça.
         Tudo bem, até aí, ela podia engolir. Mas então alguém lhe diria por que ela estava ali afinal de contas?
         - Tudo bem – Yoh fechou os olhos e os abriu em seguida. – Certo, eu j agüentei tanto. Peço desculpas por ser tão direta, mas eu preciso saber por que eu fui mandada embora da minha própria casa. Eu preciso saber o que é essa promessa.
         Atenta e cautelosa, Londrina assentiu.
         - Eu sei. Foi por isso que lhe chamei aqui para o escritório – Londrina levantou-se e depois de roçar com os dedos alguns exemplares, ela tirou um velho livro empoeirado de uma das prateleiras, colocando-o sobre a mesa e voltando-se a sentar. – Eu vou lhe contar tudo.

4 comentários: