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sábado, 20 de novembro de 2010

Capítulo 5

5
Protetores de Sangue

Y
ohanna ofegou.
        Ela não conseguia se lembrar de quando foi que alguém lhe esclareceu alguma coisa. Talvez porque isso nunca tivesse acontecido.
        - Você sabe sobre os Adônis? – Londrina perguntou-lhe.
        Adônis? Yohanna nunca tinha ouvido falar sobre eles.
        Yoh negou com a cabeça.
        - Me desculpe – disse ela confusa, sem saber se devia ter se desculpado, mas fazendo-o mesmo assim.
        - Curioso – Londrina balbuciou e estudou Yoh com a testa levemente enrugada. Seus olhos laranja pareciam ver através de Yohanna, algo invisível para a garota ali sentada. – O juramento foi tão profundo que eles nunca lhe puderam falar sobre nada que se relacionasse à promessa.
        Yoh balançou a cabeça.
        - Porque eles prometeram não me contar nada? – ela não queria que sua voz tivesse soado tão exigente, mas então ela estava tão determinada a obter suas respostas que não ligou muito para como soou. – Eu não consigo entender.
        Londrina sorriu ligeiramente.
        - Interessante, isso está em você – ela disse, deixando Yohanna ainda mais confusa. – Isso faz parte de você, mesmo que você não saiba sobre nada.
        - O que está em mim? – Yoh quase implorou.
        Ela não queria ser tão pidona, mas então era sua vida, as respostas da sua existência, por assim dizer.
        Ela precisava saber – e precisava saber rápido.
        - O sangue do Protetor, o desejo de proteger, a determinação e resignação de um Protetor.
        Yohanna franziu o cenho, imersa em confusão.
        Ela achou que teria respostas, não enigmas para desvendar.
        - Eu não estou entendendo – Yohanna disse. – O que é um Protetor?
        Londrina suspirou.
        - Protetores são os centauros. Metade homens, metade cavalos – disse Londrina. – Eles são fortes, mais fortes do que nós podemos ser. O sangue deles é mágico, lhes dá força para proteger quem deve ser protegido.
        Yohanna estreitou seus olhos.
        - Quem deve ser protegido?
        - Nós – Londrina disse simplesmente, dando de ombros. – Dizem que cada um de nós tem seu Adônis, mas então não se tem certeza. Quem tem seu Adônis desde que nasce é a realeza. Eles têm marcas no corpo na cor dos olhos e mechas do seu protegido. Eles também carregam um anel de prata na mão com a marca de fogo. São chamados de anéis de fogo.
        Londrina pausou e ficou olhando para Yoh. Erguendo as sobrancelhas, Yohanna assentiu, indicando que estava acompanhando.
        - Cada Adônis protege um príncipe, um duque ou um marquês. Apesar das histórias, apenas os Adônis, digamos, reais, vêm ao encontro de seu protegido quando o mesmo nasce.
        - Certo – Yoh disse meio atordoada e encantada. – Entendi. E o que isso tem a ver comigo e com a promessa?
        Londrina suspirou cansada, parecendo prestes a revelar algo que esperasse não ser verdade.
        - Eu disse que você tem o sangue do Protetor – Yoh concordou. – Quando você nasceu, Yohanna, você era tão pequena e tão miúda, você estava muito, muito doente. Ninguém sabia o que você tinha. Então seus pais procuraram o Protetor Ancião e lhe pediram para que curasse você. O Protetor Ancião foi um dos primeiros Adônis que houve, eles têm vidas longas, os centauros, e o Protetor Ancião é o único que ainda nos resta da primeira geração.
        “Eles têm esse poder, os Anciãos, de curar. Mas então eles não podem fazer isso para qualquer pessoa. Seus pais estavam desesperados e então prometeram que você nunca saberia disso pela boca de nenhum de seus parentes e que seria treinada, para que quando você tivesse quinze anos partisse para Arkadi, para a cidade real, para se tornar formalmente uma Protetora e ser designada para seu protegido.
        “O Protetor Ancião lhe curou com seu próprio sangue, tirando seu sangue impuro do seu pequeno corpo e colocando o dele próprio no lugar. Assim, você seria forte e teria tudo o que um Protetor deve ter. Com isso, as três Moiras teceram seu destino uma vez mais, já que houve a interferência do supremo protetor. Yohanna, seu destino é único, nunca antes traçado por alguém.”
        O queixo de Yohanna caiu. Ela não sabia o que dizer, o que pensar. Ela era uma Protetora? Ela tinha que proteger alguém? Como ela faria isso? Quer dizer, ela teve treinamentos de luta e equitação, mas então ela nunca soube de verdade porque tinha de treinar tanto.
        Agora ela sabia.
        - Eu sou... uma Protetora? – sussurrou, seus olhos violeta arregalados. – As três Moiras teceram meu destino? Como assim?
        Londrina assentiu suavemente, seus olhos doces e compreensíveis.
        - Não uma Adônis, como os centauros são chamados, mas uma Protetora humana, a primeira Protetora humana – ela hesitou um momento, estudando Yoh. – É por isso que seus olhos são dessa cor. Você é única, assim como a cor deles. A única humana com sangue de um Adônis, o mais poderoso deles.
        “As três Moiras são as filhas de Nix, anciãs que tecem o destino dos mortais. Você foi a única que teve seu destino tecido novamente, a única que elas não cortaram o fio na hora da morte, a única que as Ceres não puderam levar para a terra das sombras.”
        Yohanna ficou espantada com aquilo.
        - Única? – ela não conseguia acreditar. – Não – balançou a cabeça. – Deve ser um engano ou algo assim. Eu sou apenas uma garota de Yofer.
        - Compreendo como você se sente, Yohanna – Londrina sorriu ternamente. – Mas você não é só uma garota de Yofer. Você é uma garota Protetora, uma garota com o sangue do Protetor Ancião correndo em suas veias, pulsando em seu corpo, bombeando em seu coração.
        Yohanna levantou-se subitamente da sua cadeira, confusa demais, sua cabeça latejando de tanta informação.
        Moiras? Ceres? Protetor Ancião? Ela era uma Protetora?
        Ela sentia-se a ponto de explodir.
        - Eu preciso de um tempo – Yoh olhou com olhos arregalados para Londrina. – Por favor.
        - Tudo bem – Londrina levantou-se também. – Pode ir. Mas cuide-se, Yohanna.
        Ela assentiu e retirou-se do escritório com passos largos e pesados. Tentou não fazer nenhum barulho ao sair da casa. Ela fechou a porta da frente atrás de si e caminhou um pouco pela rua residencial calma como era à noite.
        Yoh não conseguiu agüentar muitos passos mais além da entrada da rua. Ela escorou-se no tronco de uma árvore com folhas amarelas e flores rosadas.
        Ofegou e lutou para manter-se lúcida e não sair gritando de frustração.
        Deus, sua vida acabara de dar uma cambalhota.
        Ela fora prometida, prometida para ser uma Protetora, guardar uma vida, proteger uma pessoa que ela nem conhecia. Fora prometida para cumprir a tarefa que apenas centauros eram designados para fazer, os Adônis.
        Tudo tão confuso, tão absurdamente confuso que sua cabeça doía.
        Uma pessoa ou outra passou e olhou de canto de olho para a figura da garota de olhos violeta sentada aos pés da árvore, mas nenhuma que se importasse o suficiente para olhar outra vez.
        Melhor assim.
        Ela queria pensar, pensar e pensar. Não sabia em quê, exatamente, mas ela só sabia que deveria fazer isso.
        O que ela supostamente faria agora? Fugir? Não, Yohanna não era covarde. Yohanna sentia medo, como todo mundo, mas ela jamais fugiria de algo que ela deveria fazer.
        Era seu destino e ela sabia que nunca poderia fugir dele. Ele a encontraria. O destino sempre encontra.
        - Você está bem? – a voz conhecida perguntou assim que se sentou do lado oposto do tronco ao qual Yohanna estava encostada.
        Ela sorriu um pouco com isso, em meio ao mar de tensão em que estava submergida.
        - Odrik – ela suspirou.
        - Eu mesmo – disse ele. – Você está bem?
        - Estou sim – ela respondeu. – Confusa, perdida, mas bem.
        Odrik se fez ver, resolvendo sentar ao lado dela ao invés de praticamente esconder-se no outro lado do tronco.
        - Sinto muito – disse ele, cobrindo o sol e o pedaço de céu azul que ela podia ver com a sua cabeça. – De verdade. Eu não fazia idéia de tudo isso. Quer dizer, eu sabia, mas nunca consegui te contar nada.
        Assentindo com a cabeça, Yohanna suspirou.
        - Eu sei. Foi a promessa de mamãe e papai. Nenhum parente meu podia me contar nada relacionado a ela.
        Odrik falou um palavrão bem feio.
        - Droga de promessa – disse. – Eles te deixaram no escuro durante tanto tempo...
        - Pra salvar minha vida.
        - Sim, eu me lembro – ele suspirou. – Eu tinha cinco anos, mas eu ainda assim lembro. Foi bem... complicado para esquecer.
        Os olhos azuis claro dele lampejaram e ficaram distantes, lembrando de algo, um tempo do qual eu não fazia parte, algo que eu não tinha como me lembrar, como participar.
        De repente, Odrik piscou e sorriu, passando a mão suavemente nos cachos miúdos e definidos da irmã.
        - Você será uma Protetora – ele zombou. – A única humana com sangue de Protetor Ancião. Isso é tipo uma honra, não é?
        - Agora você pode falar? – ela ergueu uma sobrancelha.
        - Aparentemente.
        Yohanna rolou os olhos e bufou.
        - Acho que é sim – respondeu a pergunta do irmão. – Deve ser, eu não sei direito.
        Fazendo uma careta, ela tirou a mão de Odrik do seu cabelo. Não gostava que mexessem no cabelo dela.
        Odrik apenas sorriu e balançou a cabeça em negação.
        - Você não tem jeito mesmo – disse.
        - Estou considerando isso um elogio.
        - De certo modo, foi.
        - Então, obrigada.
        Odrik levantou-se e estendeu uma mão para Yohanna, a qual ela aceitou e se levantou, sacudindo a grama da sua roupa.
        - Vou voltar para a casa de Londrina – ele disse. – Quer vir também ou ainda pretende respirar?
        Sorrindo, Yoh negou.
        - Não, eu ainda quero respirar.
        - Então está bem – disse Odrik. – Não volte muito tarde, Héstia faz um almoço realmente ótimo.
        Esse era Odrik, sempre pensando em comida. Yohanna não entendia como alguém que comia tanto podia ser tão magro, ter músculos tão bem definidos como o irmão. Talvez fosse porque ele não parasse quieto um minuto.
        Mas ainda assim, era injusto com quem tinha de controlar a alimentação feito um louco.
        Não que esse fosse o caso de Yohanna. Ela não precisava se controlar. Ela comia muito, talvez a mesma quantidade que Odrik comia, e ela também nunca ficou acima do peso ideal.
        Dando de ombros enquanto assistia ao irmão se afastar, Yohanna começou a andar na direção oposta, indo para o centro da cidade, tentando se concentrar em qualquer coisa que não fosse seu destino.
        As árvores em Arkadi pareciam mais bonitas, mais cheias de vida. Eram de diferentes cores, rosa, amarelo, azul, vermelho. As flores eram estranhas, algumas Yoh nunca tinha visto antes.
        Havia uma, pequena, mas bonita, que era azul, flores azuis eram tão raras que ela nunca tinha visto uma. Ela era circular, com duas hastes amarelas saindo do centro.
        Era tão delicada – tudo que Yohanna não era e nunca seria.
        Seu peito doeu à medida que seu coração batia contra ele. Ela nunca seria delicada. Ela nunca poderia ser delicada. Mesmo que parecesse, mesmo que ela tivesse um rosto gentil, meigo e doce, ela não era delicada.
        Aquilo era uma máscara, um disfarce.
        Como ela, Yohanna Bourbon, uma pequena garota de quinze anos, dos arredores de Yofer, ia realizar o trabalho de um Adônis? Como ela iria proteger alguém?
        Ela tremeu. Ela sabia a resposta. Ela queria aquilo, por mais bizarro que isso soasse. Como Londrina disse, o sangue do Protetor Ancião corria nas suas veias.
        Subitamente ela soube o que sempre quis, o que ela sempre desejou, mas nunca antes conseguira descobrir o que era.
        Ela sentia o desejo, a ânsia de proteger.
        Era isso o que ela queria fazer. Salvar uma vida.
        A descoberta disso lhe provocou uma sensação esquisita na sua cabeça. Como um zumbido de uma pequena abelha. Yohanna cambaleou, sentiu suas pernas tremerem, seus joelhos cederem. Ajoelhada no meio de um caminho de pedras, cercadas de árvores amarelas, imagens transcorreram diante de seus olhos.
        Ela não estava mais ali, pelo menos ela achava que não.
        De algum modo, ela sentia que estava em outro lugar, era como se ela estivesse sonhando, mas sem estar dormindo. Era como ser a personagem de um sonho, mas sabendo que aquela não é você realmente.
        Estava escuro, o sol já havia se posto em Aurora. Não era um lugar que Yohanna conhecesse. Talvez fosse. Talvez fosse Arkadi. A praia de Arkadi, atrás do palácio. Yohanna nunca chegara perto do mar, o mais perto que chegara fora agora, quando estava a algumas centenas de metros dele, morando a poucas ruas dos muros do castelo.
        Poderia ser lá. Algo dentro dela confirmou sua suspeita.
        O palácio continuava o lá, erguido em sua exuberância e altivez, só que ele parecia mais novo. Sua visão – Yoh classificou assim – era... antiga? Só isso justificava o palácio ser tão belo e esplêndido. Apenas sua recém construção.
        E isso foi há trezentos e cinqüenta anos.
        A cabeça de Yoh latejou, mas ela não voltou para ela mesma. Ela continuava naquele lugar estranho, sendo aquela pessoa estranha com pequenas mãos que usava luvas de couro.
        Ela não sabia se estava sozinha. Tudo estava tão escuro, ela só era capaz de ouvir o som das ondas quebrando na areia. Nada, além disso.
        E então uma luz, uma pequena chama, foi avistada ao longe. A chama se aproximava, assim como o barulho de passos pesados ficava audível. Yoh teria corrido, mas então a garota que ela estava sendo, não queria correr.
        Aquela garota conhecia aquela pessoa que se aproximava. Ela conhecia e queria vê-la.
        A figura parou quando chegou perto o suficiente da garota para que ela pudesse enxergar à minúscula luz do lampião. O estranho erguera-o até seu rosto para se fazer ver.
        Yoh não podia dizer naquela escuridão, mas ela tinha certeza de que era um garoto com cabelos até os ombros, lisos e sedosos, claros como ouro, com mechas de um azul tão suave, tão lindo, que seus olhos pareciam brancos.
        Ela tinha tanta certeza disso quanto tinha de que a garota que ela estava dentro tinha cabelos escuros com cachos caindo até sua fina cintura, com mechas de um tom muito bruto de verde, como seus olhos.
        Tudo tão difícil para aqueles dois. Tudo tão tumultuado, tão proibido. Mas eles se gostavam tanto, eles eram tudo um para o outro.
        A garota sorriu.
        - Damien – ela sussurrou o nome com carinho.
        - Isadora – o garoto chamado Damien disse com um sorriso acompanhando os lábios.
        Então a cabeça de Yoh era dela novamente e ela estava em Arkadi, no caminho de pedras, cercada pelas árvores amarelas novamente.
        Seu coração batia forte contra seu peito, suas mãos agarravam pedrinhas no chão com tamanha força que estava machucando-a. Os olhos dela estavam arregalados e sua boca estava seca.
        Yohanna queria muito saber o que tinha sido aquilo. Porque em um segundo a cabeça dela estava normal e, no outro, ela era uma garota chamada Isadora que sentia algo intenso e forte por Damien, uma coisa que, Yoh não sabia como, ela tinha tanta certeza que ocorrera há trezentos e cinqüenta anos, ali em Arkadi, tão perto de onde Yohanna estava de joelhos agora.
        Aquilo fora a coisa mais absurdamente estranha que já acontecera com ela.
        Não que tivessem acontecido muitas coisas estranhas a uma menina de Yofer, mas então Yohanna podia dizer com certeza que ter visões não era uma coisa normal para qualquer pessoa, não apenas para pessoas nascidas em Yofer.
        Com medo e assustada, Yohanna levantou-se desajeitada e fitou o caminho que fizera até ali. Ela não achava que seu passeio para espairecer tivesse feito muito resultado. Ela apenas conseguira ganhar mais uma coisa para se assustar.
        Yohanna deu meia volta e começou a caminhar lentamente de volta para a casa de Londrina. Ela pensou que talvez fosse melhor voltar para lá e contar essas coisas para seu irmão, para ele lhe dizer o que fazer.
        Pânico tomou conta de seu coração.
        Ela não podia contar. De jeito nenhum ela poderia contar. Ele acharia que ela estava ficando maluca. Ela mesma achava isso. Ela iria guardar isso para ela mesma, não contaria para ninguém, aquilo provavelmente não aconteceria novamente.
        Não contaria para absolutamente ninguém.
        Um segredo.

3 comentários:

  1. aaah, acabei de ler *-*
    mts mts revelações, hehe (:
    eu já disse que adoro todo esse
    negócio de cabelos colorido ;D ?
    aah, eu vou começar a escrever um
    livro também, dps posso te passar o link ?
    ainda to escrevendo.
    Bjs Bjs ;*

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  2. haha, nós agradecemos *-*
    pode passar o link sim Nicole, sem problemas :)
    bjs :*

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  3. Poxa, amei. Finalmente encontrei um blog assim. Quando iniciei o meu, fiquei navegando de blog em blog, a procura de um parecido ao meu, um semelhante. Um blog-book. E aqui está o seu. Gostei muito dos nomes que escolheu para os personagens, muito interessantes. Bom, te convido a visitar o meu POET (Pages Of Erased Text) http://pagesoferasedtext.blogspot.com/. De lá você pode ir ao “Illegitimate” novel. Espero que goste. Parabéns pelo blog. Cuide-se.

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